Daniel Handler: Entrevista para a Maclean's Canadá

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Uma conversa com Daniel Handler, mais conhecido como Lemony Snicket, para a Revista canadense Maclean's. O best-seller mais recente do escritor é um livro adulto sobre pais, filhos ferozes e roubar a vida dos outros. Confira a entrevista abaixo:

Daniel Handler, o autor norte-americano que ascendeu à fama — sob o pseudônimo de Lemony Snicket — como autor da série de sucesso "Desventuras em Série", é um homem visionário. Não foi visionário o suficiente para evitar uma piada efetivamente racista e de mau gosto sobre melancias na cerimônia do National Book Awards em novembro, depois da autora afro-norte-americana Jacqueline Woodson ter sido laureada com um prêmio de literatura juvenil por Brown Girl Dreaming [N.T.: Garota Marrom Sonhando, numa tradução livre] (Handler se desculpou rapidamente e belamente, doando 10,000 dólares para a We Need Diverse Books [N.T.: Nós Precisamos de Livros Diversos, uma ONG que luta contra a falta de representação da diversidade humana em livros juvenis nos EUA] e prometendo fazer outras doações até 100,000 dólares.), mas foi visionário o suficiente em seu mais recente livro adulto, We Are Pirates, escrito bem antes de seu fiasco, para ter escrito - no estilo irônico à parte no qual Snicket é especialista - uma frase mostrando o quanto ele é atento às preocupações de autores negros. Quando Handler escreveu sobre Manny, um recruta da gangue de piratas prestes a aterrorizar a Baía de San Francisco dos dias de hoje, ele adicionou, "Todos os outros neste livro, a propósito, são brancos."
 
Foi simplesmente uma menção a algo a que ele esteve atento há muito tempo nas suas próprias leituras, Handler contou ao Maclean's. "Foi Toni Morrison, eu acho, quem notou que em uma história você sabe quais personagens são negros porque os autores o dizem, e quais personagens são brancos porque eles não o dizem." (A tendência é tāo invisível que o contrário disto - como escreveu Christopher Paul Curtis em 1999 no livro Bud, Not Buddy, como Bud, duas outras crianças e "uma pequena menina branca" foram juntos até a água - teve um efeito impactante.) "Eu pensei que Manny, o mais excluído em um romance sobre excluídos, devia ser posto em destaque."
 
We Are Pirates é certamente sobre excluídos. Mas o romance de Handler sobre um pai, Phil, e sua filha adolescente, Gwen, e o resto de seu quinteto pirata —dois outros adolescentes de 14 anos, um senhor idoso nos estágios iniciais de demência e Manny— também é sobre os pecados dos pais, filhos ferozes e o jeito com que roubamos a vida e a alegria dos outros. A aliança formada entre os adolescentes e o idoso, diz Handler, foi natural. "Eu estava pensando sobre quem estaria furioso com a própria marginalização e quem sonharia em se rebelar, então concluí que seriam pessoas bem velhas e bem novas. Perdi meu pai para a demência há um ano e meio, e vendo ele passar por isso, percebi que a raiva é mencionada no sistema de saúde como se fosse qualquer outro sintoma de doença, ao invés de uma resposta perfeitamente racional a todo o resto: 'Você parece bravo, deve ser o seu remédio.'"
 
Se isso explica porque o idoso Errol é ansioso para ir ao mar, os adolescentes homenageiam A High Wind in Jamaica [N.T.: pode-se traduzir como Um vento forte na Jamaica], o qual Handler descreve como "um estranho livro que conta a história de crianças que são capturadas por piratas e não se importam com isso." Esse é um jeito de resumir o clássico modernista de 1929 escrito por Richard Hughes sobre crianças que se adaptam facilmente demais à vida de pirata e, mais perturbador ainda, a serem reintegradas à "civilização". A estranha adaptabilidade das crianças é a (cômica) premissa de Desventuras em Série, e também de uma qualidade que Handler notou em sua própria vida. "Quando meu filho era mais novo, minha esposa e eu percebemos que nunca tínhamos tido uma conversa com ele sobre 'estranhos' - não somos esse tipo de pais ansiosos - mas pensamos que deveríamos, e perguntamos a ele, 'E se um estranho perguntar a você se quer dar uma volta no carro dele?' Os seus olhos se arregalaram e ele disse, 'Que tipo de carro?' Eu pensei, 'Bem, está na hora de preparar o dinheiro para o resgate.'"
 
O tema é longe de cômico em seu livro; quando Gwen começa a se tornar uma pirata, o leitor pode até sorrir, mas não depois que ela se torna, nas palavras de Handler, "algo ainda mais perigoso."
 
Irrequieto, repulsivamente engraçado e belamente feito, We Are Pirates consegue ser muito bem um livro atual sem ficar falando demais sobre aparelhos eletrônicos e a revolução digital - os personagens todos jogam seus smartphones na água, uma ferramenta autoral tão deliberada quanto a presença do tom de pele de Manny. "Ninguém consegue atingir ainda como escrever sobre os nossos tempos com a massa de eletrônicos e as mudanças acontecendo tão depressa," diz Handler, sobre seus colegas obcecados com a tecnologia. "Então eu penso que muitos autores estão escrevendo ficção histórica." Este livro sobre piratas é tudo menos isto.

Entrevista traduzida por Isabella Rangel, integrante da equipe DESBR. Se o conteúdo for utilizado, por favor dê os devidos créditos.

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